Recentemente, o comediante Léo Lins se envolveu em uma polêmica ao fazer “piadas” que eram relacionadas a minorias sociais e, após isso, foi acusado de disseminar discurso de ódio. Tal evento trouxe à tona, mais uma vez, uma problemática que já era tópico de debate social, em que se discutia fronteiras para o humor. Porém, o verdadeiro debate deveria ser voltado, não para esse aspecto, mas sim até onde é a delimitação entre discurso de ódio e humor, fator que demarcaria os conceitos em questão.
Para desenvolver e realmente compreender o assunto, devemos, primeiramente, entender o que é o humor e o que é o discurso de ódio, e como saber diferenciá-los.
Em primeira análise, o discurso de ódio acontece quando, em uma alegação, há uma estigmatização, segregação e alteração do real estado de coisas, podendo estar relacionada ou não com minorias e outros grupos sociais. Além disso, ele pode ser muitas vezes sedutor e sorrateiro, escondendo-se em falas comuns de nosso dia a dia e que muitas vezes não vemos problemas em dizê-las ou ouvi-las. Esse tipo de atitude acaba por possibilitar uma disseminação cada vez maior do discurso de ódio e uma camuflagem gradativamente mais forte na sociedade contemporânea. Nesse caso, a incitação ao ódio se disfarça de humor e tenta se justificar com base de que “como é uma piada” as pessoas não devem levar a sério. Na maioria dos casos, tais “piadas” utilizam-se de temas como preconceitos e estereótipos sociais e, ao tentar ironizá-los, acabam espalhando-os ainda mais e perpetuando-os em nossa sociedade, o que poderá e irá prejudicar a vida de muitas pessoas que pertencem aos grupos alvos desses rótulos sociais. Isso não só contribui para uma maior propagação do discurso de ódio, como também auxilia para a sua perpetuidade na sociedade.
Agora, em segunda análise, devemos entender sobre o humor, o qual nada mais é do que uma forma de construir uma crítica e/ou fazer uma leitura da situação da sociedade e, ao ironizar e zombar do assunto, trazer uma reflexão a partir disso. O mais importante e essencial para entender o humor é ter capacidade de interpretar o que foi dito nesse gênero e ser capaz de conectar o que foi falado com algo além e que especifique a crítica feita. Como exemplo disso, podemos usar a série de tv americana “The Office”, na qual, em um episódio, um dos personagens interpreta, em uma reunião de trabalhadores da empresa, um discurso de Benito Mussolini – ditador fascista italiano durante a Segunda Guerra Mundial.
A cena em questão também mostra como o discurso deixou os outros trabalhadores animados e como a própria personagem, sem saber da real origem dessa narrativa, tornou-se mais confiante ao lê-la. Contudo, a comicidade da cena vem justamente do fato de que a personagem faz o discurso sem saber de nada e de como ele próprio, tendo tais origens ainda, traz tanta animação e entusiasmo. O humor, nesse casso, traz a reflexão de como o fascismo italiano e alemão do século passado possuíam força e de como pessoas desinformadas e desavisadas sobre o assunto podem, ainda nos dia de hoje, seguir tais ideologias sem nem mesmo conhecerem a verdade de seu passado.
Portanto, é plausível dizer que o humor é uma crítica bem pensada e que visa trazer uma reflexão para o contexto atual da sociedade, enquanto o discurso de ódio tenta se disfarçar de humor, de forma sorrateira e discreta, para ter mais liberdade e espaço na sociedade. De tal forma, vemos que a melhor forma de identificar e diferenciar esses dois tópicos é interpretar o que foi dito e buscar um sentido que ultrapasse a própria intencionalidade. A incitação ao ódio não utiliza de tal interpretação e foca somente na depreciação de um grupo social a partir de preconceitos. Por fim, conclui-se que não há limites para o humor, mas deve haver sim uma nova forma de identificar e punir discursos de ódio que se fantasiam de humor.