O Cansaço de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

No Simulado Poliedro desse terceiro bimestre, para o segundo ano, Fernando Pessoa foi recorrente nas questões de linguagens – apesar de serem respondidas rapidamente só por interpretação. Mas acontece que, desde criança, esse poeta enigmático me acompanha, com suas frases icônicas e seu modo singular de pensar, através de alguma fascinação do meu pai, o que depois se tornou fascinação minha. Fernando Pessoa se fragmentava (ou se multiplicava) em diversos outros nomes – o mais “histérico” desses sendo Álvares de Campos. Não caiu na prova, mas esse encantamento me incentiva a meditar um pouco sobre o seguinte texto de Campos:

O que há em mim é sobretudo cansaço —

Não disto nem daquilo,

Nem sequer de tudo ou de nada:

Cansaço assim mesmo, ele mesmo,

Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,

As paixões violentas por coisa nenhuma,

Os amores intensos por o suposto em alguém,

Essas coisas todas —

Essas e o que falta nelas eternamente —;

Tudo isso faz um cansaço,

Este cansaço,

Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,

Há sem dúvida quem deseje o impossível,

Há sem dúvida quem não queira nada —

Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:

Porque eu amo infinitamente o finito,

Porque eu desejo impossivelmente o possível,

Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,

Ou até se não puder ser…

E o resultado?

Para eles a vida vivida ou sonhada,

Para eles o sonho sonhado ou vivido,

Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto…

Para mim só um grande, um profundo,

E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,

Um supremíssimo cansaço,

Íssimo, íssimo, íssimo,

Cansaço…

A primeira coisa que se há de notar é a torrente de palavras: nenhum espaço que faça uma estrofe, somente tudo de uma só vez – a ausência de pausas reflete o estado mental exausto do eu-lírico, onde os pensamentos e sentimentos se amontoam sem descanso.  Apesar de tradicionalmente o poema vir assim, talvez há um jeito de separá-lo de um modo muito mais agradável para a interpretação. Mas, para não tomar muito espaço, não vou colocá-lo outra vez.

Meu Deus, quanto cansaço! O eu-lírico já nos tira de ideia todo motivo de cansaço nas primeiras linhas: “não disto nem daquilo, nem sequer de tudo ou de nada.” Logo quando ele começa a enumerar alguns sentimentos, como “a sutileza das sensações inúteis” imagino que já se iniciou outra estrofe. Nela, o eu-lírico revela parte do mistério, ao admitir que as emoções intensas e os amores vazios se tornam fontes de desgaste — porque no fim, o que falta nelas não pode ser suprido. Assim termina outra estrofe invisível.

Mas então, como não estar cansado? Talvez para o eu-lírico, não há como. Todas as outras pessoas parecem estar com os sonhos muito além, estarem se sustentando em ideias genuinamente boas. São “idealistas” com quem o poeta não se identifica. Esses três versos… ele está cansado, porque ama infinitamente o finito, deseja impossivelmente o possível, e quer tudo? Talvez o último seja intuitivo, mas como desejar o possível pode possivelmente cansar alguém? Ao meu ver, tudo que ele quer, ele consegue; porque é ele que não quer nada, que já se acostumou com a vida de tal forma que estar vivo cansa.

“E o resultado?” Álvaro escreve, criando uma nova estrofe. Para as outras pessoas, a vida e os sonhos como devem ser, naturais e juntos; para elas, todos os altos e baixos da vida. Mas para o eu-lírico, um cansaço sem propósito e supremo (retratando isso de forma icônica ao repetir o sufixo “íssimo”). Para ele, um cansaço hiperbólico, superlativo, exagerado… um cansaço

Por:​
Felipe Santos

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