No último dia 23 de outubro, o Brasil perdeu um dos maiores nomes da literatura brasileira contemporânea: Antonio Cicero.
Popularmente conhecido por poemas como “Guardar”, “O Último Romântico”, “Virgem”, “Fullgás” e “Maresia”, Antonio foi compositor, poeta, filósofo e membro da Academia Brasileira de Letras desde 2018.
Apesar da singularidade de seus poemas, o escritor passou a se tornar mais reconhecido quando sua irmã, a cantora Marina Lima, musicalizou uma de suas obras. A partir disso, criou-se uma parceria musical e poética entre os irmãos, que manteve-se por muitos anos.
No mesmo ano em que foi eleito membro da ABL, Antônio foi diagnosticado com Alzheimer – doença em que ocorre uma perda de memória lenta e progressiva, acompanhada de alterações comportamentais, como o isolamento e a apatia – e desde então, já havia comentado com seu marido, Marcelo Pies, sobre seu interesse no suicídio assistido. Em Outubro, o casal realizou uma viagem à Paris, onde Antonio pôde desfrutar e despedir-se da tão amada cidade por ele. Logo após a ida à França, foram para Zurique, na Suíça, onde ele realizou o procedimento e deixou uma carta para amigos e fãs:
“Queridos amigos,
Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer.
Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.
Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi.
Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia.
Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo.
Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação.
A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa – mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los.
Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo.
Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.
Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!”, escreveu.
No suicídio assistido, uma equipe médica fornece medicamentos para o procedimento, mas é o próprio paciente que tem o controle sobre a substância letal, podendo ingeri-la ou injetá-la em si mesmo quando quiser. A prática é legalizada na Colômbia, Suíça, Holanda, Luxemburgo, Canadá, Austrália, Espanha, Alemanha e alguns estados norte-americanos (como Oregon, Vermont, Washington, Califórnia e Montana) e possui diferentes regulamentos e condições em cada país. Quem tem interesse em passar pelo suicídio assistido não precisa necessariamente ter uma doença terminal, mas precisa ter a mente sã e expressar o desejo consciente de encerrar a vida.
No Brasil, a morte assistida é proibida e considerada uma violação contra a vida pelo Código Penal por meio do Artigo 122, que veta o ato de “induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar auxílio para que o faça”, com penas de até 20 anos. O debate sobre a legalização da prática no país gira em torno de barreiras culturais, políticas, religiosas e conservadorismos morais.