A invisibilidade do trabalho de cuidado feminino segundo Simone De Beauvoir e “Que Horas Ela Volta?”

O tema da redação do Enem de 2023 foi “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”. Ainda que a princípio pareça uma proposta extensa e complexa demais para desenvolver em apenas 4 parágrafos, seu entendimento pode ser facilitado se analisado junto às ideias da escritora Simone De Beauvoir e ao aclamado filme nacional “Que horas ela volta?”. Portanto, vamos recordar aquele memorável domingo de novembro para aprofundarmos mais na problemática.

Antes de mais nada, o trabalho de cuidado ao qual a proposta se refere diz respeito a qualquer trabalho realizado na esfera doméstica, seja para cuidar da casa e/ou de seus moradores. A problemática apresentada pela proposta refere-se a como esse trabalho é visto como natural às mulheres, resultando na sua invisibilidade e desvalorização.
 

Sob esse viés, esse dilema pode ser contemplado a partir de uma das frases mais célebres de De Beauvoir, que inclusive esteve presente em uma das questões da prova do Enem de 2015. “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”, é nessa oração que a pensadora posiciona-se contra a crença do determinismo biológico atribuído à mulher na sociedade, no qual práticas como cozinhar, cuidar e obedecer fossem inatos no gênero feminino. É nesse sentido que se dá a ligação entre a mulher e o trabalho de cuidado.

 

Já a questão da desvalorização pode ser melhor entendida a partir do filme “Que horas ela volta?”, dirigido por Anna Muylaert, no qual acompanhamos a história de Val (interpretada por Regina Casé), uma trabalhadora doméstica que além de ser parte fundamental para o funcionamento da casa de sua empregadora, Jéssica (interpretada por Camila Márdila), também foi crucial na formação de seu filho. No entanto, seu trabalho não é devidamente valorizado, uma vez que há uma relação hierárquica entre Val e sua patroa, implícita nos diálogos e nas ações da própria doméstica. Val censura a si mesma diversas práticas comuns, como ficar muito tempo na sala de estar e nos quartos ou até ter conversas longas com os moradores da casa, o que é reflexo da invisibilidade de sua função, não vista como digna daquelas práticas.
Afinal, o tema do ano passado tratava de uma questão ignorada e praticamente invisível para muitos brasileiros, abordagem que o Enem vem adotando nos últimos anos. Nesse sentido, os candidatos devem se manter atentos para aprofundar em todo tipo de questão, por isso ter um bom repertório histórico, filosófico, literário ou até cinematógrafo é essencial para garantir um texto de qualidade.

Por:​
Maria Luisa Pedrosa

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